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Eco sustentável

Orson Wells

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quinta-feira, 28 de maio de 2009

Serão os alimentos tradicionais produtos pobres e apenas para os pobres?










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A questão surge de uma tese de mestrado elaborada por Maria Madalena Félix, uma jovem investigadora angolana, que tem o mérito de ter levantado a ponta deste véu.
Para o estudo adquiriu em mercados rurais suburbanos de Luanda amostras de 27 alimentos tradicionais, que não figuram nas tabelas internacionais de alimentos: 12 frutos (maçã da Índia, embondeiro, tomate da Índia, etc.), 4 folhagens (fumbwa, hibiscus, mandioca, batata doce), 4 sementes (curcubitáceas e embondeiro), 7 fontes proteicas (insectos, cogumelo, carne de pacaça e 2 peixes). Trata-se de um primeiro passo para a avaliação do interesse destes alimentos muito usados pelas populações em todo o território angolano, mas cujo estudo sistemático está por fazer.
O objectivo foi avaliar o seu valor alimentar através da composição química (humidade, proteína bruta, gordura bruta, cinza total, celulose e glúcidos totais) e do cálculo do valor energético. Foram ainda caracterizados em cada amostra os espectros de aminoácidos e de ácidos gordos e quantificada a presença dos mais importantes elementos minerais, bem como das vitaminas (C, A e niacina), informações que permitem determinar com rigor o valor alimentar dos produtos analisados.
Esta abordagem, embora parcelar, uma vez que abrange apenas uma pequena fracção deste universo de alimentos tradicionais, conduz a resultados surpreendentes, pois revela a sua grande importância, em termos de saúde pública, pela contribuição para o equilíbrio da dieta alimentar das classes mais pobres, um pouco por todo o país. É uma constatação tão clara que pode até ser avançada a hipótese de o consumo destes produtos poder explicar a não ocorrência significativa em Angola de alguns distúrbios nutricionais como o escorbuto, a pelagra ou o beribéri.
Procurando resumir as conclusões deste estudo, deve referir-se que os frutos analisados concorrem fundamentalmente para a disponibilização, na dieta alimentar de quantos os utilizam, de vitaminas, minerais e fibras, embora o teor em proteínas não seja em alguns casos despiciendo, designadamente para o tomate da Índia, as solanaceas (njila e lossaca) e a matira (curcubitácea) que dosearam teores entre 12,4 e 15,5 %.
As folhagens estudadas (fumbwa, hibiscus, mandioca e batata-doce) evidenciam-se justamente pelo seu muito elevado teor proteico, entre 29,1 e 16,9 %, com um equilibrado espectro de aminoácidos, o que conjugado com baixo conteúdo de gorduras e elevadas dosagens de cálcio, ferro e manganésio e das vitaminas C e A, confere a estes alimentos um valor inestimável.
As sementes (curcubitáceas e do fruto do embondeiro), distinguem-se, no primeiro caso, pelo seu elevado valor calórico, em resultado de teores de gordura bruta da ordem de 50% do seu peso seco, e ainda por dosearem aproximadamente 35% de proteína bruta, com um teor particularmente elevado de arginina. Os teores mais baixos, respectivamente de 13 e de 23 %, doseados na semente de embondeiro, devem-se ao facto de, neste caso, a análise ter incidido sobre a semente inteira, em vez da amêndoa como ocorreu nas curcubitáceas. Em qualquer caso de registar uma presença predominante de ácidos gordos mono e poli-insaturados.
As larvas de insectos, a carne de pacaça seca e os peixes analisados doseiam teores de proteína que oscilam entre 56 e 72%, com notáveis gamas de aminoácidos, designadamente essenciais. Os teores de gordura bruta são mais variáveis, oscilando entre 3% para a carne magra de pacaça e 17% para uma das variedades de insecto analisadas, mas também com uma presença predominante de ácidos gordos mono e poli-insaturados. O cogumelo selvagem (wiwa), não necessariamente representativo do universo destes produtos, doseou 27% de proteínas e 11% de gorduras brutas.
Estes números e estes factos que falam por si, revelam que estes alimentos tradicionais são altamente nutritivos, podendo contribuir para a segurança alimentar de populações que dependem em 90 a 95 % do consumo de produtos amiláceos, fornecendo menos de 2000 calorias / dia e com acentuadas carências proteicas, lipídicas e vitamínicas.
Que desafio temos pela frente?
Comecemos por acentuar que o consumo destes alimentos emerge na cultura camponesa, de um processo de selecção empírica, mas nem por isso menos inovadora e criteriosa, de alimentos silvestres ou cultivados, que no contexto local se revelaram de utilidade para a dieta alimentar. Saberes que importa valorizar em toda a sua extensão, como ponto de partida para a avaliação do contexto em que são produzidos, buscando uma melhoria de procedimentos e a eventual determinação de limites à sua exploração e, também, para desfazer tabus ou ultrapassar rejeições por parte dos consumidores urbanos, que terão vantagem em aumentar o consumo deste tipo de alimentos.
Efectivamente, havendo razões, em termos de saúde pública, para fomentar este consumo, será sobretudo nas áreas urbanas e sub-urbanas que ele se poderá intensificar, pois já é corrente nas zonas rurais. A expansão do uso deste tipo de alimentos está condicionada não só por razões culturais, mas também pelas limitações do processo de abastecimento. O apoio à organização, nas áreas rurais, de núcleos de recolecção e de produção deste tipo de alimentos e da sua expedição para os centros de consumo, pode constituir uma oportunidade verdadeiramente interessante para os camponeses.
Conhecer a realidade e propor soluções
Embora este processo se desenrole à nossa frente, constitui uma realidade relativamente desconhecida, não apenas no que respeita às quantidades consumidas, mas também em relação a muitos dos seus detalhes. Alguém conhece verdadeiramente o que nesta matéria se passa ao longo do país, em termos de variedade de produtos consumidos, de localização e de técnicas específicas de recolecção e de produção, de quantidades envolvidas e de limites para a sua exploração sustentável?
Assim é importante, para responder a todas as dúvidas e encontrar os adequados caminhos de exploração deste sector, desencadear, de uma forma conjugada, uma mão cheia de estudos académicos e outras tantas iniciativas de fomento visando, em última análise, a implementação de medidas práticas de apoio e orientação aos circuitos de recolecção, produção e comercialização destes alimentos, para que seja possível integra-los na dieta de um maior número de pessoas.
Para começar, haverá que alargar este tipo de estudos bromatológicos a numerosos outros alimentos não convencionais utilizados pelas populações rurais, designadamente outros frutos, outras folhagens ou ervas, outras sementes, outros cogumelos e outros produtos de origem animal (insectos, gastrópodes, peixes e mamíferos). Trata-se de conhecer este universo de alimentos tradicionais, de identificar com rigor científico o seu valor nutritivo e de colher informações que permitam avaliar a sua potencial contribuição para a alimentação de diversos estratos populacionais no país.
Em simultâneo, será da maior importância estudar os processos de recolecção ou de cultura destes alimentos, com o objectivo de analisar a sua sustentabilidade, e quando esteja em risco, propor a tomada de medidas cautelares. Neste contexto, a título de exemplo, refira-se o interesse do estudo dos cogumelos comestíveis e a eventual possibilidade de promover o cultivo de algumas espécies (eventualmente não indígenas) a partir de substractos locais.
Em paralelo haverá que equacionar o problema do controlo da qualidade destes alimentos para que cheguem em boas condições à mesa do consumidor. Trata-se de uma área onde há um imenso e urgente trabalho por realizar. Estes alimentos, como quaisquer outros, estão sujeitos a contaminações por substâncias perigosas para a saúde pública, ou a serem infectados por microorganismos patogénicos causadores de graves doenças, como a cólera e diarreias. Para além disso, o próprio processo de degradação do alimento, que começa no momento em que os vegetais são colhidos ou os animais são abatidos, envolve mudanças no sabor, alterações na cor e na estrutura, dessecação, enrugamento e invasão pelos microorganismos, o que deprecia o aspecto e as qualidades destes alimentos e pode envolver riscos para o consumidor. Mesmo considerando uma grande permissividade do mercado, actualmente uma percentagem certamente não inferior a 30% do produto perde-se por degradação. Haverá que, em relação a cada alimento, para cada tipo de processamento e meio de tramitação, ter uma noção do prazo de validade e difundir este conceito.
Para progredir nesta área, haverá que adoptar um código de procedimentos simples e acessíveis aos camponeses, para garantir a defesa do consumidor, criando uma imagem de qualidade que poderá abrir a porta a consumidores mais exigentes. Em concreto, tudo o que respeita à observância de requisitos higiénicos na manipulação destes alimentos, destinados a evitar contaminações com terras ou outras substâncias, bem como a sua exposição a moscas, outros insectos ou a roedores, e a contaminação e desenvolvimento de microorganismos patogénicos. O que implica a escolha dos locais de trabalho e o uso de instrumentos adequados, designadamente superfícies de manipulação de fácil limpeza e redes mosquiteiras.
Os processos de embalagem e os meios de transporte a utilizar, constituem igualmente elos críticos nesta cadeia. A contaminação destes alimentos pode surgir no processo de transporte, por contacto com outras mercadorias, pelo que o uso de embalagens protectoras é essencial.
Finalmente, ao nível da distribuição, impõe-se a introdução destes alimentos nos circuitos formais, em especial para os produtos que requeiram condições controladas para garantir a sua preservação. É contudo, indispensável investir na melhoria da actuação dos agentes informais, a quem actualmente cabe o mérito de garantir a distribuição. Há que criar condições para que seja assegurado o cumprimento dos padrões de higiene e de preservação exigíveis, que importa definir e transmitir a todos os elementos da cadeia. Dentre as medidas concretas a implementar, de assinalar um enorme esforço de formação de todos os intervenientes que, em muitos casos, poderiam exibir bem melhores resultados se tivessem à disposição alguns apoios simples, designadamente conhecimentos técnicos e micro-crédito orientado para a melhoria da sua actuação.

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